segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009



MEUS POEMAS

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Nem todos os poemas são bons! Alguns são apenas bons, outros nem são bons, alguns poucos muito bons. Coisas de um eterno aprendiz!

Mas sempre valerá à pena escrever muitos poemas, exorcizar demônios, dizer da dor e do engano, falar do desencanto e do abandono, do desencontro e da solidão. Coisas do desamor!

Mas podem acreditar: sempre valerá à pena escrever muitos poemas, alquimizar de vez nossas mágoas, transformando-as em compreensão, falar do amor e do perdão, da magia da sedução. Coisas da esperança e da redenção!

Pois sempre valerá à pena escrever muitos poemas, descortinar o passado, reescrever o futuro, trilhar com muita coragem uma nova trajetória. Coisas de quem acredita na vida!

Pois sempre valerá à pena escrever muitos poemas, desentranhar o estranho que mora dentro de nós.

E mesmo que nem sejamos poetas, mesmo que nem sejam poemas, sempre valerá a pena .
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PREFÁCIO DE LAURA ESTEVES

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O BRUXO ALQUIMISTA

Poesia é ato de coragem.

Meados de 2002. Um senhor desconfiado, cofiando a barbicha, adentra o café do Teatro Glaucio Gill. Ali, um grupo de sonhadores realiza um evento de poesia. Ele chega tímido, mas não se faz de rogado: violão em punho, canta e fala versos. Canta e encanta. Pronto! A mágica, o sortilégio já estavam realizados. Assim conheci meu amigo Naldovelho. E o músicopoeta de Niterói mostrou-se, também, um empreendedor. Ano seguinte, lá estava Naldo, do outro lado da ponte, coordenando o “Músico recebe poetas”, evento do qual tive a honra de participar.

Não bastassem tais proezas, ainda escreve belos poemas. Centenas deles. Li, com ternura, seus poemas e posso afirmar: Naldo é um poeta. Seus textos nos pegam de surpresa e nos espantam pela originalidade. Algumas vezes lírico e nostálgico; outras erótico, cruel, quase perverso. Mas sempre generoso para consigo mesmo e para os pecados alheios. Seus poemas intrigam. Cheiram a tabaco, aguardente, chão molhado (o chão das Minas Gerais ou da sua Niterói?). Falam de vias expressas, sirene, sereias, sinais. Uma doce alquimia: o interior e o urbano.

Naldovelho, como já diz o próprio título do livro (Mania de Colecionador), constrói um rol de emoções, é um inventariante de sentimentos:

No espelho vejo marcas, linhas gastas, cicatrizes, cabelos brancos, bem curtinhos, barba rala, já grisalha, olhos triste, marejados, algum vestígio de coragem...

Seus versos bastardos, como ele mesmo os define, falam de mistérios, entranhas, feitiço, sangue, bala perdida, cicatriz e foge aos padrões estabelecidos pelo “bom comportamento poético”.

A sede que eu tenho já faz tantos anos,
cicatrizes que eu trago, a maioria latentes...

...Palavra ardida é aquela que quando provocada, incendeia de vez o poema e exorciza no peito o feitiço, cicatrizando antigas feridas...

...Teria sido bala perdida, ou teria gravado no corpo, riscado a faca, o meu nome?

Seus versos em prosa ( grande contradição? ) escancaram portas e janelas, como que nos convidando: entrem, tomem assento e um gole de aguardente para esquentar o coração.Vamos conversar, falar de amargura, insônia, destino:

...Pela janela do meu quarto, mantida sempre entreaberta, eu espreito um outono de lágrimas..

...Pois que sejam em prosa os meus versos, inquietos, indecentes e confessos, pois a poesia que eu trago comigo ninguém vai conseguir calar.

O poeta é senhor da artesania verbal e o livro é um hino de amor ao oficio do escritor. Aliás, a palavra poema, poesia, poeta ou verso, aparece em quase todos os textos. É parar e conferir. A preocupação com a escrita está explicitada em poemas como este:

...Ferida de morte a palavra se contorce, se arrasta e agoniza...
Sei não! Epitáfio nenhum tem sentido com as letras, desta forma, indispostas. Por que a palavra foi morta? Por que tamanho castigo?

Naldovelho foi influenciado pela poesia de Drummond. Não esconde esse fato de ninguém. Mas, certamente, seu anjo não é o mesmo do poeta de Itabira. Seu anjo é docemente obsceno e sorri satisfeito para nosso poeta.

Um anjo travesso pousou do meu lado, fez caras e bocas, revirou meus guardados,...tirou minha roupa, bebeu nos meus lábios, deitou-se comigo, ofertou-me um abrigo suado de orgasmo, veneno, gemidos...

E respondendo à sua indagação: por onde andará o poeta? Eu acho, amigo, que ele saiu para se encontrar com o músico e criar poemas que falam de velhos boleros cubanos, de Buena Vista Social Club, tangos, chorinhos, “Eu sei que vou te amar”, “Águas de Março”, jazz, blues, violão, Paulo Moura, Chico e Tom.

A música que eu sinto, brota feito nascente...

Ritmo, técnica, emoção, imagens criativas, inquietação, tudo bem dosado por um bruxo alquimista, assim é a poesia de Naldo.

Nesse mundo massificado, onde somos números em carteiras plastificadas, sua poesia é um bálsamo. É um ato de coragem, como ele costuma falar. Leiam e comprovem.
Laura Esteves
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PREFÁCIO DE BEATRIZ ESCÓRCIO CHACON

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NÃO É COFRE, É CAIXA SEM TRINCOS

O que coleciona um poeta? Deve ser um tanto do que está nessa caixa de manias, poesia de número trinta e três. Acho graça dos pedaços de quartzo e das pedras redondinhas de beira de rio, e nem é pra usar aspas, todo poeta deve ser guardador de um mimo assim. Mas o que me intriga não é a mania – cada poeta com a sua, cada louco com o poema de todos. O quer seduz é a própria caixa, transparentemente aberta, se esgotando em mais cacos brilhantes de vida. São papéis fantasiados de palavras.

É sedutora a coleção exposta do Naldo, velho amigo de confissões ao primeiro livro. Poesia de peito aberto, ora a sangrar, a inebriar o lado esquerdo de tantos outros. Que há muito não se colhem uns versos tão “ardidos” de ausências, e infusos de alfazema, tatuados de rosas murchas, crisântemos, sementes. E há tanto não se encontra na cidade um romântico de luas cheias, insônias, janelas e musas, beijos derramados num seio.

E também nessa caixa sem trincos, um violão. Pelas paisagens do quarto, dos mangues e avenidas de rios brancos, Naldo vai cantarolando lirismos. Parceria com anjos travessos, obscenos, sorridentes, caídos, seus amigos no dia-a-dia.

Com que cacos-palavras, portanto, um poeta faz coleção? Nessa caixa luzidia do Naldo, incontáveis, ao alcance. Tocar este livro com toda a nossa delicadeza. Nele recebemos toques de “belezas tristes”. Mania bendita.

Beatriz Escorcio Chacon
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MANIA DE COLECIONADOR

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NALDOVELHO

Coleciono pétalas diversas, espinhos,
pedaços de quartzo, alguns lapidados,
muitas corujas na estante da sala,
livros queridos, leituras freqüentes,
inquietudes da alma, algumas urgentes,
pedras redondinhas de beira de rio,
fios coloridos todos em desalinho,
folhas secas de outono cheirando a abandono,
romances, partidas, saudades latentes,
tocos de vela, aflições de uma vida,
algumas restam acesas dentro do peito,
aquecem o inverno dos meus sentimentos,
algumas intocadas, precauções que eu tenho,
sei lá do futuro e dos rumos que eu tomo.

Coleciono gravatas penduradas no armário,
documentos, histórias, tudo catalogado,
retratos antigos, imagens, passado,
telas, meus quadros, estranhos, profusos,
uma infinidade de versos, rabiscos confusos,
alguns aproveito, cometo poemas,
se mexo e remexo resultam em prosa,
palavras que eu tenho, sagradas memórias.

Coleciono mulheres, amores tão densos,
mas teve aquela que colheu e guardou,
sementes de trigo e águas de um rio
e na troca de odores, suores, salivas,
plantou sutilezas, colheu meu amor.

Coleciono abraços, sorrisos, amigos,
alguns bem distantes permanecem queridos,
alguns ao meu lado servem de abrigo.

Coleciono invernos, primaveras e outonos,
notícias dos longes, esperas, certezas,
que sempre ecoam a cada passo sofrido,
em cantigas, toadas, melodias profanas;
discos antigos, jazz e blues,
também tem boleros, a maioria cubanos,
tem Águas de Março, Elis e Jobim,
tem Nana Caymmi, tem Milton e tem Chico,
ultimamente alguns choros doídos, confesso!

Sonoridades, palavras, imagens, objetos,
ainda bem que eu os tenho bem junto a mim.

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